domingo, 6 de março de 2011

Doutrina da Verdade


                                         Feliz aquele a quem a Verdade por si ensina, não por figuras ou palavras que passam, senão por si mesma, mostrando-se tal qual é. Nossa razão e nossos sentidos vêem pouco e muitas vezes nos enganam. Que aproveitam estas discussões sutis de coisas ocultas e obscuras de que não seremos argüidos no juízo do Criador por as havermos ignorado? Grande insensatez descuidarmos o que é útil e necessário para nos aplicarmos com gosto ao curioso e nocivo. Em verdade, temos olhos e não vemos.
                                         Que se nos dá dos gêneros e das espécies? De muitas opiniões se desembaraça aquele a quem fala o Verbo eterno. Deste único verbo procedem todas as coisas, e todas O proclamam; e Ele é o Princípio que também dentro de nós fala. Sem Ele, ninguém entende ou julga retamente. Aquele que tudo encontra na Unidade soberana, a ela tudo refere e nela tudo vê por ter o coração firme e descansar na paz do Criador. Oh! Verdade! Oh! Criador! uni-me a Vós em caridade perpétua! Enfastia-me muitas vezes ler e ouvir tanta coisa; em Vós se acha quanto quero e desejo. Calem-se todos os doutores; emudeçam em Vossa presença as criaturas todas; falai-me Vós só!
                                         Quanto maior progresso fizer cada um na unidade e simplificação interior, tanto mais numerosas e mais sublimes coisas entenderá sem esforço, porque do alto receberá a luz da inteligência. A alma pura, simples e constante não se dissipa ainda que entenda em muitas ocupações; porque todas refere à glória do Supremo Arquiteto e, tranqüila, em coisa alguma busca a si própria. Que há que mais te embarace e perturbe do que os afetos imortificados de teu coração? O homem bom temente ao Criador dispõe primeiro no seu interior as obras que depois há de fazer externamente; assim elas não o arrastam ao desejo de alguma inclinação viciosa mas ele as submete ao arbítrio da reta razão. Quem peleja com mais vigor do que aquele que trabalha por vencer a si mesmo? Este deverá ser o nosso maior empenho: vencermo-nos a nós mesmos, tornarmo-nos cada dia mais fortes e fazermos algum progresso no bem.
                                         Toda perfeição nesta vida anda mesclada de alguma imperfeição e na nossa inteligência não há luz sem sombras. O humilde conhecimento de ti mesmo é caminho que leva ao Criador com mais segurança que as investigações profundas da ciência. Não é que a ciência ou o simples conhecimento das coisas sejam condenáveis, porque em si são bons e ordenados pelo Supremo; sempre, porém, se lhes há de preferir a boa consciência e a vida virtuosa. Mas porque muitos se empenham mais em adquirir ciência do que o bem viver, por isso erram a cada passo e pouco ou nenhum fruto colhem do seu trabalho.
                                         Oh! Se eles pusessem tanto ardor em extirpar vícios e plantar virtudes como põem em agitar questões, não se veriam tantos males e escândalos entre o povo nem tanta desordem nos mosteiros. Por certo, no dia do Juízo não se nos perguntará o que lemos mas o que fizemos; nem se falamos com eloqüência senão se vivemos com piedade. Dize-me: onde estão agora todos aqueles mestres e doutores que bem conheceste quando ainda viviam e floresciam nas escolas? Já outros possuem as suas prebendas e talvez nem deles se lembrem; quando vivos pareciam alguma coisa, hoje deles nem se fala.

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